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segunda-feira, 19 de maio de 2014

Quem já andou de bonde?


Para não perder o bonde da História

Escrito por Mariana Albanese   

São muitas as representações do saudoso veículo. A partir de seus estribos, bancos e janelas, poetas, jornalistas, fotógrafos e escritores viram o mundo. E o registraram. Uma imersão na história dos bondes é uma viagem nos tempos e costumes de décadas distantes. Dois de janeiro é Dia do Bonde. Celebremos com lembranças.


No início eram os burros - pobres burros - os responsáveis por conduzir a população urbana brasileira em direção ao progresso. Bondes atrelados, eles precisavam demonstrar força nas patas e disposição. A jornada de trabalho por vezes varava as 18 horas - se não havia leis trabalhistas, quem dirá Sociedade Protetora dos Animais… Tinham lá suas idiossincrasias. Havia os que só atendiam pelo nome, e ainda os que obedeciam apenas a cocheiros conhecidos. Quando cansavam - novidade… -, empacavam.

A história vem de longe. O primeiro bonde a ser visto em nossas ruas atravessou o Rio de Janeiro puxado por burricos em 1859. Pertencia à Companhia de Carris de Ferro da Cidade à Boa Vista, falida em 1866, depois de trocar a tração animal por vapor. Não tardou para a capital do Império entrar nos trilhos novamente. Em 9 de outubro de 1868, com Pedro 2º a bordo, a Botanical Garden Rail Road Company reinaugurou uma era. As grandes cidades não podiam ficar para trás.


Choque de gerações
Os bondes elétricos começaram a chegar em 1892, também pelo Rio de Janeiro, e mudaram radicalmente o cotidiano urbano. Poucas foram as capitais que não tiveram sua linha. Eram o passaporte para o mundo, mesmo que este se restringisse aos limites do município. Foram vistos com medo e admiração. Em O Bonde e a Cidade, o paulistano Oswald de Andrade narra: "Eu tinha notícia pelo pretinho Lázaro, filho da cozinheira de minha tia, vinda do Rio, que era muito perigoso esse negócio de eletricidade. Quem pusesse os pés nos trilhos ficava ali grudado e seria esmagado facilmente pelo bonde. Precisava pular."

Machado de Assis também não deixou passar em branco. Em 16 de outubro daquele ano, registrou nas páginas de A Semana:

"O que me impressionou, antes da eletricidade, foi o gesto do cocheiro. Os olhos do homem passavam por cima da gente que ia no meu bond, com um grande ar de superioridade. Sentia-se nele a convicção de que inventara, não só o bond elétrico, mas a própria eletricidade."

O progresso traz efeitos colaterais
O tal do bonde era um meio de transporte democrático. Em uma época em que poucos tinham carro, e outros preferiam deslizar sobre trilhos a sacolejar em ruas esburacadas, diversas classes sociais o compartilhavam. No Rio de Janeiro do início do século passado, propalava-se que a cidade não tinha uma rua sequer sem trilhos. O lema era: “Onde chega o bonde, chega o progresso.” Mas havia também os efeitos colaterais: as mulheres puderam, enfim, conhecer outras paragens - ainda que acompanhadas. Reações conservadoras não poderiam deixar de vir. A opinião é do jornalista França Júnior, no fim do século 19: "Se o impulso dado pelo bonde à nossa sociedade for em escala sempre ascendente, havemos de ver em breve as nossas patrícias discutirem política, irem à praça do comércio, ler os jornais do dia, ocuparem-se de tudo enfim, menos do arranjo da casa."

Há que se cuidar dos oportunistas
Anda a gente pelos bondes / Sem poder se virar / Porque logo grita um anjo /Este homem quer bolinar.

Pongando na modernidade dos bondes vinha também um tipo indesejável. A letra cantada por Eduardo das Neves alerta: que as moças se cuidassem para não ficarem à mercê de oportunistas. Assim a revista Fon-Fon descreve os famigerados bolina, em 1922:

"Tipo paradoxal que a cidade inteira conhece, o tal que só acha lugares vazios nos bancos onde viajam moças e meninas. E enquanto o bonde corre, já uma perninha ameaça um assalto, depois a mão, logo em seguida o joelho, depois tudo… Se ela reage, ele se melindra, protesta e desce para esperar outro bonde e outra vítima. Se ela consente, ele só não se senta no colo porque os outros protestam."

Outras personagens comuns eram as tais “marias-bonde” - meninas que se aproveitavam da fugaz passagem do veículo para flertar. Ramos Cotoco, modista cearense, notou: Se o bonde passa está na janela / Se o bonde volta ainda está ela / Namora a todos, é um horror / Aos passageiros, ao condutor.

Um pra Light, dois pra mim
As passagens eram cobradas pelo condutor, que, ao contrário do que o nome sugere, era o responsável por ir de passageiro em passageiro - com um contador em punho - pedindo o dinheiro. Às vezes, pela falta de fiscalização, havia profissional que “esquecia” de marcar depois de receber. O povo ironizava: Din, din, é um pra Light, dois pra mim.

E na onda da malandragem havia também quem confessasse alguns pecados, como na música de Leonel Azevedo e J. Cascata, de 1937: Não pago o bonde, Iaiá / Não pago o bonde, Ioiô / Não pago o bonde / Que eu conheço o condutor.

Machado de Assis recomenda: encatarrhoados devem escarrar na rua, não nos bonds
Selecionamos aqui duas das dez regras de comportamento sugeridas pelo escritor fluminense para andar nos trilhos:

Art. I - Dos Encatarrhoados Os encatarrhoados podem entrar nos bonds, com a condição de não tossirem mais de trez vezes dentro de uma hora, e no caso de pigarro, quatro. Quando a tosse for tão teimosa que não permita esta limitação, os encatarrhoados têem dous alvitres: ou irem a pé, que é bom exercicio, ou metterem-se na cama. Também podem ir tossir para o diabo que os carregue. Os encatarrhoados que estiverem nas extremidades dos bancos devem escarrar para o lado da rua, em vez de o fazerem no proprio bond, salvo caso de aposta, preceito religioso ou maçonico, vocação etc., etc.

Art. V - Dos Amoladores Toda a pessoa que sentir necessidade de contar os seus negocios intimos, sem interesse para ninguem, deve primeiro indagar do passageiro escolhido para uma tal confidencia, se elle é assaz christão e resignado. No caso affirmativo, perguntar-lheha se prefere a narração ou uma descarga de ponta-pés; a pessoa deve immediatamente pespegal-os. No caso, aliás extraordinario e quasi absurdo, de que o passageiro prefira a narração, o proponente deve fazel-a minuciosamente, carregando muito nas circumstancias mais triviaes, repetindo os dictos, pisando e repisando as cousas, de modo que o paciente jure aos seus deuses não cair em outra.

Guardai braços e pernas
O motorneiro é cuidadoso, não conversa em serviço. A plaqueta ficava à vista, e muitas vezes vinha acompanhada de outra: Prevenir acidentes é dever de todos. Descarrilamentos, colisões e até mesmo as consequências de um pulo desastrado eram comuns. Contra maiores estragos nos atropelamentos, os bondes possuíam um sistema interessante. Quando a pessoa ia parar debaixo do veículo, esbarrava em uma barra de madeira, que acionava uma pá. Ela arrastava a vítima, impedindo que fosse atingida pelas rodas. Os bondes elétricos causaram certo pânico. A nove pontos, eram capazes de atingir 40 quilômetros por hora! Catorze, 15 anos depois, ainda eram uma ameaça, como reflete o Correio da Manhã em 11 de outubro de 1906: "Não é que a Light decidiu exterminar a honesta população desta cidade? Os bondes elétricos continuam a esmagar e trucidar inocentes passageiros."

Em maio do ano seguinte, foi a vez da revista Fon-Fon: "Os estropiados aumentam e a população de tais lugares, se de todo não desaparecer, em breve ficará privada de braços e pernas."

Para todos os gostos e bolsos
Personagem querido na cidade, o bonde tinha funções diversas e apelidos curiosos. A eles:

Caradura ou Taioba
Bonde de segunda classe, destinado inicialmente ao transporte de mercadorias. Vinha atrelado ao bonde principal. Custava a metade do preço.

Bonde de Ceroulas
Era um bonde de gala, forrado com brim branco para conduzir afortunados a eventos sociais.

Bonde-Salão
Entrou em operação na cidade de Salvador em 1911. Era reservado para eventos de autoridades, casamentos e batizados. São Paulo também tinha o seu, o luxuoso Ypiranga, adquirido pela Light em 1905. Abençoado pelo cardeal Arcoverde, era alugado para eventos e festas.

Bonde do Correio

Usado para o transporte de cartas. Como ele, diversos serviços públicos tinham seus meios de transporte.

Bonde de Areia
Certos afortunados não dispensavam os trilhos dos bondes, por onde andavam com seus automóveis. Poupavam seus preciosos bens dos desníveis dos paralelepípedos. A borracha dos pneus se acumulava e, de tempos em tempos, obrigava que a companhia de bondes fizesse a manutenção jogando areia nos trilhos.

Bonde Camarão

Ganhou o apelido por sua cor vermelha. Tinha capacidade para 51 passageiros sentados. Foi o último bonde a circular em São Paulo.

Aqui em São Paulo o que mais me amola
São esses bondes que nem gaiola
Cheguei abrir uma portinhola
Levei um tranco e quebrei a viola
Inda pus o dinheiro na caixa da esmola

(Bonde Camarão, de Cornélio Pires e Mariano)

Bonde Centex ou Gilda
O mais luxuoso bonde que circulou em São Paulo. Apelidado de Gilda em homenagem à personagem de Rita Hayworth no clássico homônimo do cinema noir. Dispunha até de calefação automática. Teve similares. Em Olinda, havia o Zeppelin. Em Vitória, o Tobias, que, revestido de espelhos, não permitia a viagem de homens sem gravata.

Bonde dos Mortos
Servia aos cortejos fúnebres. No carro principal iam os parentes. No reboque, o morto.

Bonde Ambulância
Construído a pedido do governo do Rio de Janeiro, ajudou a cuidar dos feridos da Revolta do Forte de Copacabana, em 1922.

Nova tecnologia, novas palavras
O nome é coisa nossa - em Portugal, por exemplo, é eléctrico. A origem da palavra por aqui é controversa. Há quem defenda que vem do nome do cônsul norte-americano, empresário de bondes em Belém do Pará (James Bond). Outros sugerem que é derivado de Eletric Bond & Share, nome de uma das empresas que exploravam o serviço no Brasil. Mas a versão mais aceita é que viria dos bilhetes emitidos pela Botanical Garden Railroad no Rio, os chamados bonds - títulos de dívida, em inglês. Outras palavras ficaram, e expressões criadas na época vingaram. Algumas delas:

Condutor Cobrador.
Mortorneiro Motorista do bonde.
Pongar Subir no bonde sem que este pare.
Almofadinha Virou sinônimo de frescura, excesso de arrumação. Como os bancos do bonde eram de madeira, alguns levavam sua almofadinha para ter uma viagem mais tranquila.
Andar na linha (do bonde) Ser correto e sincero nos negócios.
Comprar um bonde Cair no conto do vigário. Fazer mal negócio.
Pegar o bonde andando Entrar no meio de uma situação ou conversa em andamento.
Perder o bonde da história Perder-se no contexto de algo.
Tocar o bonde Levar algo adiante.
Tomar o bonde errado Ver frustrados os intentos.
Trombada Nos anos 1920, um elefante fugiu do circo e derrubou um bonde com a tromba. A palavra virou sinônimo de colisão.

Ainda há lugar para saudosismos
Por cerca de 50 anos, os bondes dividiram as ruas com outros veículos. Em São Paulo, 1911, foi construído o primeiro ônibus brasileiro. Por volta de 1920, com o petróleo mais barato que a eletricidade, o Brasil começa a importar jardineiras dos Estados Unidos. Seis anos depois, apenas na capital paulista, elas já passavam de 400 unidades. O bonde foi perdendo espaço; a pressão das empresas de ônibus, aumentando. A Light insinuou desistir dos bondes, mas um decreto de Vargas, em 1937, a obrigou a prosseguir. Rio de Janeiro (1963), São Paulo (1968) e Santos (1971) foram as últimas cidades a aposentá-los.

A última viagem do Camarão, que saiu da Vila Mariana em 26 de março de 1968 em direção a Santo Amaro, foi motivo de comoção entre os paulistanos. Em marcha lenta, seguido por automóveis, ele fez o último percurso. A revista O Cruzeiro registrou:

"Para uma despedida, até que foi uma festa bonita. O bond criou moda: motorneiro que se prezasse tinha quase a obrigação de deixar crescer o bigode, para combinar com o uniforme escuro; e o bonito era o rapaz pular do bonde andando, na ladeira da Augusta."

Que o tempo dos bondes passou, restam poucas dúvidas. Mas ainda há espaço para saudosismos. Cidades como Belém, Manaus e Belo Horizonte planejam reativar suas linhas para aproveitar o potencial turístico. Juntam-se a outras cidades brasileiras que fazem dos velhos bondes uma oportunidade de trazer o passado à tona e se esbaldar nas lembranças.

Vá de bonde
Em São Paulo

Pequeno trajeto sai do Museu do Imigrante, no Brás, e relembra a história dos bondes na cidade. Bonde aberto, movido a gasolina.

Em Campos do Jordão
Linha turística com oito quilômetros. O bonde é fechado, providencial para os dias mais frios.

Em Campinas

Trajeto turístico, de quatro quilômetros, no Parque Portugal. Bonde aberto.

Em Belém
Linha pronta, bonde restaurado. Mas no caminho estão 180 ambulantes, que não permitem a passagem pelo centro.

Em Santos
Três bondes fazem um circuito de 1,7 quilômetro pelo centro histórico. Guias acompanham o trajeto. Dentro do programa Vovô Sabe Tudo, antigos motorneiros contam histórias dos tempos áureos.


No Rio de Janeiro
O bonde de Santa Tereza é o único no Brasil que nunca deixou de circular, desde sua inauguração, em 1896. É um dos símbolos da cidade, deslizando sobre os arcos da Lapa em direção a um dos lugares mais agradáveis da capital fluminense. Ainda assim, sofre com a falta de cuidados. Dos 14 carros, apenas quatro estão em circulação. Todos os sábados, às 10h e às 14h, acontece um percurso cultural de duas horas, passando pelos diversos museus do bairro, com acompanhamento de uma guia. Uma das paradas é no Museu do Bonde, que funciona junto à oficina de restauração. Vale a pena conferir.



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